14 de novembro de 2013
No táxi, a caminho da aldeia, o motorista sequer
sabia que os índios continuavam ali, assim como muita gente com a qual
conversei antes das visitas.
Foi a primeira vez que vi a aldeia sem os muros e
toda aquela mata que havia dentro, foi automático ver aquele "
intruso" - numa paisagem tão
acéptica como a dos arredores do novo maracanã - e tentar calcular quanto tempo
eles ainda teriam ali até que o Estado "limpasse" a área.
A todo momento me pegava tentando imaginar que
tipo de ligação poderia ser tão forte para que eles quisessem tanto aquele
prédio em ruínas, pois a minha interpretação sempre foi a de que museu não é e
nem nunca será um lugar que abrigue qualquer tipo de cultura, para mim museu é
exposição, e somente, e no caso do museu do índio, até onde eu sabia, não era
diferente, e foi depois do abandono e a consequente desativação que aquelas
pessoas passaram a viver ali, mas eu sei mesmo de muito pouco sobre o caso,
então tentei deixar a mente aberta.
Bia fazia fotos, quis saber o que ela achava que
deveria ser a questão central, e quanto mais conversávamos mais nos perdíamos,
foi a minha impressão. Desde o início deixei claro para Nathanael e Filipe que
a questão, para mim, não estava esclarecida, e a outra dúvida que nos consumia
era: como não fazer um documentário?
Quando entrei no prédio havia uma fogueira entre
duas fileiras de bancos, ao fundo uma mesa com quem me pareciam ser os líderes.
Um homem e duas mulheres.
Discutiam muito sobre os índios
"vendidos" que aceitaram as propostas do governo, insistiam que não
sairíam dali, e frequentemente os convidados brancos discutiam a questão da
resistência, relembrando atos heróicos da aldeia, e defendendo a permanência
dos mesmos.
Me chamou a atenção as constantes discussões
sobre identidade indígena dentro da aldeia, e principalmente os jovens classe
média ali dentro. Tentei expulsar os preconceitos, mas ao ver um conhecido meu,
que já trabalhou comigo, ex-aluno de filosofia da ufrj, sem camisa, pintado
como índio e repetindo (às vezes convocando) os gritos índigenas entre uma fala
e outras mais contundente, eu desisti de vencer meu preconceito. Achei de uma
idiotice profunda, ainda mais depois de entrar em contato com essa pessoa e ela
sequer ter noção das atividades que seriam feitas durante a semana na aldeia.
Mas em geral o fato dos não-indígenas estarem ali
não me afetava, tanto que ao conhecer Francis não estranhei: é um negro, vindo
de quilombos de Minas e Espírito Santo para a Aldeia Maracanã. Me pareceu muito
verdadeira a sua relação com tudo ali, e se coubesse a mim esta afirmação eu
diria que dentre os indígenas ali presente, Francis com toda certeza era um
deles.
Sem uma questão definida para averiguar resolvi
observar tudo, e continuava sem entender o que motivava tanto um grupo indígena
de várias etnias a se manter dentro de uma cidade como o Rio de Janeiro (ou
qualquer outra grande cidade), já que pra mim eram culturas baseadas em suas
relações com a natureza.
O cheiro do lugar, que tanto incomodou alguns
membros da equipe, não me causou qualquer sensação de estranhamento, Francis
tinha um cheiro forte, mas isso tampouco me incomodava.
Não conversamos com ninguém, mas ficamos sabendo,
por intermédio de Francis, sempre muito atencioso conosco, que haveria um
mutirão para a construção das ocas, além de aula de guarani e uma mesa de
diálogos com as mulheres da aldeia, tudo isso no sábado, o que nos seria muito
útil, tanto para o material filmado quanto para a pesquisa. As questões que eu
construí ali para levar ao grupo eram as seguintes: saber de onde ver a subsistência
daquele grupo, onde compram suas comidas?, a falta de comida típica era um
problema?, as crianças iam ao colégio?, sofriam algum tipo de preconceito, de
pais, colegas ou professores? E o que pretendem fazer com o espaço, numa
possível reforma do mesmo, no sentido de subsistência?
Houve uma roda para danças e cantos ao final da
discussão, e pessoas de todos os meios apareceram e participaram, me chamaram
para entrar mas preferi ficar de fora olhando, o que foi uma besteira, deveria
ter me juntado.
Saí de lá pensando até onde eles teriam realmente
direito àquele lugar, sem julgamentos de certo ou errado, somente tentando ver
a situação muito de fora, mas como a neutralidade é impossível eu entendi que
não entendia nada, e que não havia feito pesquisas e entrevistas suficientes
para ter sequer uma rasa noção sobre o que é aquela luta ali.
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