Daniele Cappelli
08/11
Bizarro. Essa foi a primeira palavra que me veio à mente quando
chegamos à Aldeia. Rodeados por uma atmosfera macabra e observados
por uma ruiva no andar de cima, fomos nos aproximando até entrar, do
outro lado. Estava achando aquilo tudo uma má ideia, mas todas as
outras tinham falhado, então não tínhamos escolha.
Ao passar pelo grande portão de metal, encontramos com a Maya. A
Maya e seu rosto enrubescido, parecendo nervosa. Fiquei apreensiva
porque ela tinha entrado lá antes de todo mundo. Depois de confessar
que um índio a tinha abraçado, fiquei muito receosa de entrar.
Alguém chegou a dizer "ah, não, gente! não vou entrar",
creio que tenha sido a Bia. É, eu queria dizer a mesma coisa, mas
estava paralisada de medo, ou outro sentimento que não consigo
classificar, mas que não me deixava falar.
Apesar da paralisação e clara vontade de desistir, acabamos
entrando. O cheiro era terrível, de algo sujo, não sei bem o que.
Não se assemelhava a cheiro de mendigo ou xixi, então não sei
conceituá-lo. Havia um pajé fumando um cachimbo, apresentando umas
artes e contando umas histórias. Também vi outros fumando, mas não
faço ideia do que era. Acho que maconha. Do nada, chega uma caravana
(?) de estudantes, por volta de umas 15 pessoas, que realmente
queriam estar ali - porque obviamente eu estava ali por obrigação -
e sentaram confortavelmente nos bancos nada confortáveis da Aldeia.
Escutamos o líder deles, que era professor da UERJ, eu acho. Ele era
de Manaus mas veio pro Rio fazer mestrado. Ele deu uma palestra sobre
política, o direito dos índios, e etc. Aquilo me impactou. O cara
era muito inteligente. E era índio. E era estudado!
Ok, a imagem do índio dormindo eternamente em berço esplêndido não
havia saído da minha cabeça desde então. Acho que o que vinha a
minha cabeça era: "São todos vagabundos. Se trabalhassem,
simplesmente conseguiriam viver e não precisariam de ajuda de
ninguém".
O que me intrigou, além de tanta coisa, foi o fato de não terem só
índios na Aldeia. Havia pessoas de classe média, vestidas de hippie
e punk, dividindo aquele espaço com eles. Até então, não consegui
entender o porquê disso, mas minha mente dizia: “Tudo maconheiro!”
Fui embora. Cheia de coisas na cabeça, cheia de opiniões para serem
revistas.
20/11
Passei dias pensando na minha primeira visita à Aldeia. Alguns dos
meus colegas conseguiram visitá-la outra vez, mas não pude ir por
causa do meu trabalho. Estranho, porque isso foi criando uma
ansiedade a respeito de quando eu poderia pisar lá de novo.
Pois bem, chegou o dia de ir pra aquele lugar novamente. Era um
sábado de feriado bem ensolarado, diferente do dia nublado que havia
visto na última vez. Quando avistei a Aldeia de longe, ela não
parecia assustadora como antes. Era apenas uma casa velha
necessitando de sérios reparos. Entrei pelos portões de metal,
agora sem medo, e avistei a Bia e o Filipe lá no fundo, conversando
com um índio. Me aproximando dele, tive vontade de me apresentar.
“Olá, eu sou a Dani”, disse. Ele prontamente estendeu a mão e
disse “Sou o Paulo. Prazer, Dani”.
Ficamos escutando o Paulo por muitos minutos. Ele nos contou muitas
histórias e de novo pude perceber o quão inteligente um índio
poderia ser. Paulo contrariava todo o estereótipo que eu tinha
gravado em minha mente, o estereótipo das escolas onde aprendemos a
respeitar o índio ao mesmo tempo que sabemos que ele é inferior a
todos nós. Os outros meninos da equipe foram chegando e meu medo
havia passado. A Aldeia não tinha mais atmosfera de terror. Passada
a conversa com o Cacique Paulo (eu disse que ele era Cacique? Pois é.
Fiquei impressionada em como eles administram a Aldeia de forma que
tenham vários caciques, mas não as subdivisões causadas por
múltiplas lideranças. Os índios atuavam em conjunto, e em conjunto
comiam, dormiam e realizavam seus atos ritualísticos) fomos
conversar como equipe. Cada um havia mudado suas opiniões a respeito
daquele lugar. Não havia mais motivos para sairmos correndo. Na
verdade, nos sentamos confortavelmente nos bancos desconfortáveis da
Aldeia e nos apropriamos dela também.
Entrando no prédio da Aldeia, encontramos com um homem, negro,
entre 20 e 30 anos, cabelos meio black power, colar de sementes.
Fiquei pensando em quem poderia ser esse sujeito. Ele não era índio,
mas tinha escolhido morar lá. Fizemos uma rápida ambientação e
desatamos a perguntar coisas para ele. Descobrimos que ele tinha
vindo de outro estado para morar na Aldeia. Quando ouviu sobre ela na
televisão, ele a enxergou como refúgio e não pensou duas vezes pra
realizar sua mudança. Como ele tinha sofrido. Enquanto ele
contava o que a polícia tinha feito com ele (e outros amigos), meu
coração se enchia de compaixão. Compaixão? Não sei, mas algum
sentimento que me dava vontade de acolhê-los e de fazer justiça em
face de tanta barbaridade. Uma das vezes que foi preso, ele ouviu
policiais conversando “Dava pra gente desovar esses caras aí”.
Até que ponto ele estava falando a verdade, eu não sei, mas me
pareceu muito convincente. Convincente até demais.
Depois de conversarmos com ele, demos um passeio pela Aldeia.
Conhecemos o lugar onde eles dormem, tomam banho, plantam as coisas.
Como disse, os índios dividem suas colheitas. Aos sábados, eles
cozinham pratos típicos de sua região e todo aquele que quiser se
achegar e comer, pode comer. O lugar onde eles dormiam era cheio de
barracas espalhadas por todos os lados. Sim, aquelas barracas de
camping. No quarto ao lado, tinham umas mudas de planta e uma
mini-horta. Passeamos por todo o lugar e depois nos encontramos lá fora de novo. Chegou a hora de ir embora. Nossa "experiência" havia acabado e toda minha concepção sobre os "índios urbanos" havia mudado com ela.
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