quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Daniele Cappelli
08/11
Bizarro. Essa foi a primeira palavra que me veio à mente quando chegamos à Aldeia. Rodeados por uma atmosfera macabra e observados por uma ruiva no andar de cima, fomos nos aproximando até entrar, do outro lado. Estava achando aquilo tudo uma má ideia, mas todas as outras tinham falhado, então não tínhamos escolha.
Ao passar pelo grande portão de metal, encontramos com a Maya. A Maya e seu rosto enrubescido, parecendo nervosa. Fiquei apreensiva porque ela tinha entrado lá antes de todo mundo. Depois de confessar que um índio a tinha abraçado, fiquei muito receosa de entrar. Alguém chegou a dizer "ah, não, gente! não vou entrar", creio que tenha sido a Bia. É, eu queria dizer a mesma coisa, mas estava paralisada de medo, ou outro sentimento que não consigo classificar, mas que não me deixava falar.
Apesar da paralisação e clara vontade de desistir, acabamos entrando. O cheiro era terrível, de algo sujo, não sei bem o que. Não se assemelhava a cheiro de mendigo ou xixi, então não sei conceituá-lo. Havia um pajé fumando um cachimbo, apresentando umas artes e contando umas histórias. Também vi outros fumando, mas não faço ideia do que era. Acho que maconha. Do nada, chega uma caravana (?) de estudantes, por volta de umas 15 pessoas, que realmente queriam estar ali - porque obviamente eu estava ali por obrigação - e sentaram confortavelmente nos bancos nada confortáveis da Aldeia. Escutamos o líder deles, que era professor da UERJ, eu acho. Ele era de Manaus mas veio pro Rio fazer mestrado. Ele deu uma palestra sobre política, o direito dos índios, e etc. Aquilo me impactou. O cara era muito inteligente. E era índio. E era estudado!
Ok, a imagem do índio dormindo eternamente em berço esplêndido não havia saído da minha cabeça desde então. Acho que o que vinha a minha cabeça era: "São todos vagabundos. Se trabalhassem, simplesmente conseguiriam viver e não precisariam de ajuda de ninguém".
O que me intrigou, além de tanta coisa, foi o fato de não terem só índios na Aldeia. Havia pessoas de classe média, vestidas de hippie e punk, dividindo aquele espaço com eles. Até então, não consegui entender o porquê disso, mas minha mente dizia: “Tudo maconheiro!”
Fui embora. Cheia de coisas na cabeça, cheia de opiniões para serem revistas.

20/11
Passei dias pensando na minha primeira visita à Aldeia. Alguns dos meus colegas conseguiram visitá-la outra vez, mas não pude ir por causa do meu trabalho. Estranho, porque isso foi criando uma ansiedade a respeito de quando eu poderia pisar lá de novo.
Pois bem, chegou o dia de ir pra aquele lugar novamente. Era um sábado de feriado bem ensolarado, diferente do dia nublado que havia visto na última vez. Quando avistei a Aldeia de longe, ela não parecia assustadora como antes. Era apenas uma casa velha necessitando de sérios reparos. Entrei pelos portões de metal, agora sem medo, e avistei a Bia e o Filipe lá no fundo, conversando com um índio. Me aproximando dele, tive vontade de me apresentar. “Olá, eu sou a Dani”, disse. Ele prontamente estendeu a mão e disse “Sou o Paulo. Prazer, Dani”.
Ficamos escutando o Paulo por muitos minutos. Ele nos contou muitas histórias e de novo pude perceber o quão inteligente um índio poderia ser. Paulo contrariava todo o estereótipo que eu tinha gravado em minha mente, o estereótipo das escolas onde aprendemos a respeitar o índio ao mesmo tempo que sabemos que ele é inferior a todos nós. Os outros meninos da equipe foram chegando e meu medo havia passado. A Aldeia não tinha mais atmosfera de terror. Passada a conversa com o Cacique Paulo (eu disse que ele era Cacique? Pois é. Fiquei impressionada em como eles administram a Aldeia de forma que tenham vários caciques, mas não as subdivisões causadas por múltiplas lideranças. Os índios atuavam em conjunto, e em conjunto comiam, dormiam e realizavam seus atos ritualísticos) fomos conversar como equipe. Cada um havia mudado suas opiniões a respeito daquele lugar. Não havia mais motivos para sairmos correndo. Na verdade, nos sentamos confortavelmente nos bancos desconfortáveis da Aldeia e nos apropriamos dela também.
Entrando no prédio da Aldeia, encontramos com um homem, negro, entre 20 e 30 anos, cabelos meio black power, colar de sementes. Fiquei pensando em quem poderia ser esse sujeito. Ele não era índio, mas tinha escolhido morar lá. Fizemos uma rápida ambientação e desatamos a perguntar coisas para ele. Descobrimos que ele tinha vindo de outro estado para morar na Aldeia. Quando ouviu sobre ela na televisão, ele a enxergou como refúgio e não pensou duas vezes pra realizar sua mudança. Como ele tinha sofrido. Enquanto ele contava o que a polícia tinha feito com ele (e outros amigos), meu coração se enchia de compaixão. Compaixão? Não sei, mas algum sentimento que me dava vontade de acolhê-los e de fazer justiça em face de tanta barbaridade. Uma das vezes que foi preso, ele ouviu policiais conversando “Dava pra gente desovar esses caras aí”. Até que ponto ele estava falando a verdade, eu não sei, mas me pareceu muito convincente. Convincente até demais.
Depois de conversarmos com ele, demos um passeio pela Aldeia. Conhecemos o lugar onde eles dormem, tomam banho, plantam as coisas. Como disse, os índios dividem suas colheitas. Aos sábados, eles cozinham pratos típicos de sua região e todo aquele que quiser se achegar e comer, pode comer. O lugar onde eles dormiam era cheio de barracas espalhadas por todos os lados. Sim, aquelas barracas de camping. No quarto ao lado, tinham umas mudas de planta e uma mini-horta. Passeamos por todo o lugar e depois nos encontramos lá fora de novo. Chegou a hora de ir embora. Nossa "experiência" havia acabado e toda minha concepção sobre os "índios urbanos" havia mudado com ela.

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